Notícia | Data Privacy Brasil no T20: Transformação Digital Inclusiva | Governança e Regulação
G20: balanço de 2024 e perspectivas para 2025 para justiça e governança de dados
Por Jaqueline Trevisan Pigatto, Louise Karczeski e Nathan Paschoalini
Em 2024 a Data Privacy Brasil assumiu um novo e empolgante desafio: participar do ecossistema do G20, durante a presidência brasileira, através do grupo de engajamento oficial para think tanks, o Think 20 (T20). Visto historicamente como um dos grupos de maior prestígio, o T20 aborda os mais diversos temas e apresenta recomendações políticas pelos trabalhos de pesquisadores do mundo todo – o que também permite o fortalecimento de uma grande e rica rede de especialistas de diferentes áreas e nacionalidades.
Como lead co-chairs de uma das força-tarefa do T20, a de Transformação Digital Inclusiva, a Data Privacy Brasil pôde não apenas liderar um grande time de especialistas na pauta, como também reunir parceiros e especialistas que nos inspiram, especialmente do Sul Global. O Comitê Organizador do T20 Brasil, formado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG) e o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), gentilmente aceitou nossas sugestões e ficaram bastante satisfeitos com a proposta de uma força-tarefa diversa tanto geograficamente quanto etnicamente, o que enriqueceu os trabalhos. Para além da seleção de policy briefs, feita durante o primeiro semestre do ano, a força-tarefa organizou e participou de diversos eventos no Brasil e fora, que debateram os seis tópicos de trabalho: i) conectividade significativa; ii) plataformização de serviços públicos; iii) proteção de dados e cibersegurança; iv) trabalho decente; v) inteligência artificial; e vi) regulação de plataformas digitais. Destes, quatro também foram prioritários para o Grupo de Trabalho de Economia Digital na Trilha Sherpa, que envolve as delegações estatais dos membros do G20, o que permitiu um diálogo próximo e oportunidades de apresentação de propostas e trocas frutíferas, em especial com o governo brasileiro.
Desde o início de nossas atividades na Força-Tarefa 5 (FT5), houve uma compreensão sobre o caráter coletivo deste trabalho, de modo que a nota conceitual da FT5, documento que orientaria todas as atividades da Força-Tarefa ao longo da presidência brasileira, foi construída colaborativamente em um processo liderado pela Data Privacy Brasil e que contou com a participação ativa dos coordenadores e membros das trilhas que compunham a FT5.
Um dos resultados deste processo colaborativo foi o consenso em torno da necessidade de que as atividades da força-tarefa fossem conduzidas a partir da abordagem de justiça de dados. Trata-se de um conceito desenvolvido por Linnet Taylor, pesquisadora na Universidade de Tilburg, que, resumidamente, busca aplicar e refletir a noção de justiça à forma como dados são produzidos, coletados e utilizados, tendo especial atenção ao modo como sujeitos e grupos sociais são visibilizados ou invisibilizados, representados e tratados.
Assim, o trabalho da FT5 buscou estabelecer e evidenciar quais são as relações entre o desenvolvimento de uma transformação digital inclusiva e a moldura teórica da justiça de dados. Nesse sentido, a força-tarefa, durante seu ano de atividades, apostou em uma abordagem centrada nos seres humanos e protetiva de direitos, visando a redução de assimetrias informacionais e de poder entre diferentes sujeitos, grupos sociais e atores interessados.
A partir do imperativo de se pensar a governança de dados e o desenvolvimento de tecnologias emergentes pelas lentes da justiça de dados, a Força-Tarefa 5 produziu uma série de recomendações, incluídas na declaração final da FT, as quais foram submetidas ao Comitê Organizador do T20 Brasil, para que fossem consideradas no comunicado final (Communiqué) deste grupo de engajamento. Dentre as recomendações feitas, destacamos duas: i) a primeira, trata sobre governança de dados e a criação de um fórum denominado de Data20 (D20); ii) a segunda, diz respeito ao tema de inteligência artificial.
A primeira recomendação surge do reconhecimento de que a governança de dados é um tópico transversal não somente entre os diversos grupos de engajamento do G20 Social, mas também entre os diferentes grupos de trabalho que compõem a trilha governamental do G20 (Trilha Sherpa). Nesse sentido, originalmente, a FT5 propôs a criação de um policy forum para a discussão transversal de temas relacionados à governança de dados, de modo que ele serviria como um elo entre o G20 Sherpa e o G20 Social.
A segunda, por sua vez, trata da necessidade de se estabelecer mecanismos de governança e regulação de inteligência artificial que sejam participativos e centrados no ser humano, visando a diminuição dos riscos e dos impactos que emergem da implementação destas tecnologias a grupos sociais vulnerabilizados. No contexto desta recomendação, destaca-se o esforço coletivo entre quatro grupos de engajamento, nomeadamente Civil20 (C20), Labor20 (L20), Think20 (T20) e Women20 (W20) – representantes da sociedade civil, de centrais sindicais, centros de pesquisa e das mulheres –, no desenvolvimento de uma declaração conjunta sobre inteligência artificial, intitulada de Declaração de São Luís. A declaração leva o nome da cidade de São Luís do Maranhão, que sediou a terceira reunião do Grupo de Trabalho de Economia Digital do G20 e onde ocorreu o “AI Summit: Bridging Boundaries“, um evento do T20 – organizado por Data Privacy Brasil, CEWEB.br, CEBRI e Fundação Heinrich Böll – onde foram estabelecidos os alicerces para a declaração.
Este documento parte da abordagem interseccional para aprofundar as convergências e consensos em diferentes tópicos relacionados ao desenvolvimento e implementação de inteligência artificial, como a garantia de direitos fundamentais, os potenciais impactos ambientais oriundos do desenvolvimento destes sistemas, a proteção dos trabalhadores e dos direitos trabalhistas, bem como o reconhecimento do papel da cooperação multissetorial para uma transformação digital e governança de IA que sejam inclusivas. Também como um esforço entre grupos de engajamento, antes da Declaração de São Luís, o T20 e o C20 já haviam emitido uma declaração conjunta sobre temas econômicos, ambientais e digitais, endereçando também a questão dos princípios para a IA, lançada durante a T20 Midterm Conference.
Estes temas, tratados de forma exaustiva durante o trabalho da FT5, reverberaram na Declaração de Líderes do Rio de Janeiro, documento emitido ao final de cada presidência do G20 e pactuado pelos estados-membros e uniões regionais ao longo do ano de trabalho. A Declaração de Líderes dedicou uma seção para tratar especificamente do tema de inteligência artificial, que reconhece os benefícios destas tecnologias emergentes, mas também salienta a necessidade de se estabelecer uma governança justa, participativa e que leve em conta a proteção de direitos humanos e fundamentais, além de garantir a dignidade do trabalho e dos trabalhadores. A Declaração reconhece ainda o papel da governança de dados como um componente fundamental para o estabelecimento de mecanismos de governança para IA.
Em dezembro de 2024, conforme encerramos o ciclo do G20 Brasil, iniciamos também o acompanhamento intensivo de preparações e transição com a presidência sul-africana. Através da diplomacia e de contatos com antigos e novos parceiros da África do Sul, tanto do terceiro setor quanto de atores governamentais, pudemos transmitir as mensagens principais de nossa força-tarefa e os resultados atingidos com a Declaração de Líderes, mas enfatizando que o trabalho precisa de avanços e debates mais aprofundados, especialmente para governança de dados.
A criação de uma Força-Tarefa específica para IA, que envolve o tema de governança de dados, e também busca ampliar o diálogo para ambas as Trilhas Sherpa e de Finanças, além da participação dos grupos de engajamento, constrói a partir da proposta do D20 e da Declaração de São Luís, levando as discussões principiológicas para diretrizes e ações concretas de implementação.
Outra novidade da presidência sul-africana já aparece na nota conceitual do Grupo de Trabalho de Economia Digital (DEWG): o uso do conceito de justiça de dados (“data justice”), trazido pela primeira vez no âmbito do G20 pela nota conceitual da força-tarefa de Transformação Digital Inclusiva do T20 Brasil. A Declaração final da Força-Tarefa trouxe o conceito como embasamento e resultado de várias de suas recomendações, no intuito de que elas buscam uma redução de assimetrias e desigualdades a partir do interesse público de uso dos dados. O DEWG de 2025 coloca o conceito dentro de duas de suas quatro prioridades: Infraestruturas Públicas Digitais (IPDs), na perspectiva de distribuição de oportunidades a partir de soluções de IPDs; e Inteligência Artificial, endereçando o interesse público a partir de medidas como transparência algorítmica e acesso à informação.
A Data Privacy Brasil seguirá acompanhando as movimentações do G20 na África do Sul e engajando sempre que possível com todas as partes interessadas, desde os grupos de engajamento até as Trilhas de Sherpas e de Finanças. O G20 é, sem dúvida, um fórum de grande importância para avançar as pautas do Sul Global em um diálogo amplo e multissetorial, com o potencial de colocar os dados no centro das políticas de desenvolvimento sustentável e de direitos fundamentais, em consonância com o âmbito multilateral.
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