Data Privacy Brasil demanda esforços públicos e privados nas eleições de 2024 diante das IAs
A Data Privacy Brasil vem a público elogiar a aprovação de novas regras para eleições de 2024 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na noite de 27 de fevereiro, sob relatoria da vice-presidente da corte eleitoral, ministra Cármen Lúcia, bem como manifestar preocupações com relação aos potenciais usos abusivos de tecnologias da informação nas eleições deste ano.
São Paulo, 28/02/2024
Nota 009/2024
A Data Privacy Brasil vem a público elogiar a aprovação de novas regras para eleições de 2024 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na noite de 27 de fevereiro, sob relatoria da vice-presidente da corte eleitoral, ministra Cármen Lúcia, bem como manifestar preocupações com relação aos potenciais usos abusivos de tecnologias da informação nas eleições deste ano. As novas regras exigirão um esforço público e privado inédito, envolvendo os tribunais eleitorais e as empresas de tecnologia.
Como membros do “Comitê de Estudos sobre Integridade Digital e Transparência nas Plataformas de Internet no Processo Eleitoral” do TSE, temos acompanhado o assunto com muita atenção. A Data Privacy Brasil enviou contribuições escritas à minuta de resolução sobre propaganda eleitoral (Resolução nº 23.610, de 18 de dezembro de 2019) e participou das audiências públicas realizadas em janeiro deste ano pelo Tribunal.
As eleições de 2024 possuem uma importância enorme para a democracia brasileira, como afirmamos ao Tribunal. Por serem eleições municipais, trazem desafios com relação às múltiplas dimensões das candidaturas, a capilaridade de bases de dados e fluxos informacionais e as possibilidades de micro direcionamento de conteúdo. Considerando a quantidade massiva de recursos disponíveis do Fundo Eleitoral e as possibilidades de contratação de empresas especializadas em campanhas digitais pelos partidos e coligações, a Data Privacy Brasil defende a internalização dos direitos fundamentais de proteção de dados pessoais e a releitura da autodeterminação informativa no contexto eleitoral. É crucial o permanente diálogo do direito eleitoral com os novos direitos digitais afirmados no Brasil.
Em nossas contribuições, sugerimos que o provedor de aplicação que preste serviço de impulsionamento fica obrigado a manter ferramentas de transparência sobre a publicidade, inclusive informações sobre perfilamento, inferências sensíveis e segmentação de público, e sobre valores e responsáveis pelo pagamento, como bibliotecas de anúncios (Art. 3º-B, Resolução nº 23.610, de 18 de dezembro de 2019). Entendemos que as inferências sensíveis dizem respeito a qualquer tratamento de dados pessoais que revele dados pessoais sensíveis e que tenha potencial de causar dano ao titular e aos seus direitos e liberdades fundamentais. Entendemos por perfilamento o tratamento automatizado de dados pessoais com objetivo de formação de perfil comportamental detalhado de pessoa natural, identificada ou identificável, para analisar e/ou prever comportamento político-eleitoral.
Defendemos também que, para a proteção contra a discriminação ilícita ou abusiva, é vedado o perfilamento de eleitores com base em dados pessoais sensíveis e inferências sensíveis, salvo se obtido o consentimento específico e destacado do titular de dados, nos termos do art 6º, IX, e 11, I, da Lei no 13.709/2018.
Para fins de responsabilização e prestação de contas (art. 6º, X, LGPD), é necessário que os agentes de tratamento demonstrem que estão seguindo as normas de proteção de dados pessoais. Por isso, a documentação sobre o tratamento de dados pessoais, prevista no Art. 33-C da Resolução, é essencial tanto para transparência quanto para responsabilização de agentes após violações e abusos.
A aprovação da versão final da minuta apresenta um avanço substancial com relação aos usos abusivos de Inteligência Artificial. Elogiamos a aprovação da regra que diz que o conteúdo político-eleitoral veiculado em período anterior ao de campanha eleitoral deve seguir regramento a respeito da transparência e aviso ao cidadão sobre o uso de tecnologias digitais para criar, substituir, omitir, mesclar, alterar a velocidade ou sobrepor imagens, vídeos e sons.
É substancial o avanço das regras eleitorais com relação a conteúdos sintéticos, criados por ferramentas como Dall-E, MidJourney, Runaway, VEED, Deep Brain AI, Synthesis, HeyGen, por exemplo. Há um risco concreto de utilização disseminada dessas ferramentas em razão de seus baixos custos e sua ampla eficiência na construção de imagens, vídeos e sons sintéticos, a partir de comandos textuais (prompts).
A Data Privacy Brasil defende que a utilização, na propaganda eleitoral, em qualquer de suas modalidades, de conteúdo fabricado ou manipulado, em parte ou integralmente, por meio do uso de tecnologias digitais para criar, substituir, omitir, mesclar, alterar a velocidade, ou sobrepor imagens, vídeos ou sons, incluindo tecnologias de inteligência artificial, deve ser acompanhada de informação explícita, acessível e destacada de que o conteúdo foi fabricado ou manipulado, para qual finalidade específica, e qual tecnologia foi utilizada, submetendo-se o seu descumprimento ao previsto no §1º do artigo 323 do Código Eleitoral, sem prejuízo de aplicação de outras medidas cabíveis quanto a ilicitude do conteúdo.
A Data Privacy Brasil também entende que a identificação de conteúdo fabricado ou manipulado poderá ocorrer na forma de rotulagem por meio da colocação de marca d’água ou outro método. Deep fakes, deep nudes e outras formas de conteúdos criados ou alterados por IA, especialmente após a popularização das IAs generativas, podem criar um cenário de desordem informacional.
Entendemos que é responsabilidade do provedor de aplicação de internet que permita a veiculação de conteúdo eleitoral a adoção e publicização de medidas para impedir ou diminuir a circulação de conteúdo ilícito que atinja a integridade do processo eleitoral, especialmente aqueles criados por inteligência artificial, incluindo a garantia de mecanismos eficazes de notificação, acesso a canal de denúncias e ações corretivas e preventivas. Deve ser dado enfoque ao combate de conteúdo ilícito que atinja a integridade do processo eleitoral fabricado por sistemas de IA.
O Tribunal vem fazendo um trabalho louvável, atualizando as regras do jogo eleitoral de forma contínua e sempre de forma participativa e inclusiva. As novas resoluções reafirmam a centralidade da proteção de dados pessoais e novas tecnologias, contando, ainda, com um programa de desinformação com diversas organizações da sociedade, que são uma rede contra desinformação.
É necessário acompanhar se haverá novos acordos de cooperação entre o tribunal e as plataformas, a exemplo dos períodos eleitorais anteriores. Até o momento tem havido uma proatividade muito tímida de quais são as medidas de design para conter desinformação, sendo pouco a simples atualização de termos de uso proibindo, por exemplo, o uso de IA para fabricação de conteúdos sintéticos falsos e da sua respectiva viralização.
Sobre a Data Privacy Brasil
A Data Privacy Brasil é uma organização que nasce da união entre uma escola e uma associação civil em prol da promoção da cultura de proteção de dados e direitos digitais no Brasil e no mundo. Para isso, com o apoio de uma equipe multidisciplinar, realizamos formações, eventos, certificações, consultorias, conteúdos multimídia, pesquisas de interesse público e auditorias cívicas para promoção de direitos em uma sociedade datificada marcada por assimetrias e injustiças. Por meio da educação, da sensibilização e da mobilização da sociedade, almejamos uma sociedade democrática onde as tecnologias estejam a serviço da autonomia e dignidade das pessoas.
Assessoria de Imprensa da Data Privacy Brasil
Alicia Lobato: +55 11 95637-5803
Porta-vozes:
Bruno Bioni, co-diretor da Data Privacy Brasil
Pedro Saliba, coordenador de Assimetrias e Poder
Carla Rodrigues, coordenadora de Plataformas e Mercados Digitais
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