Notícia | Câmeras corporais na segurança pública: parâmetros jurídicos para o uso secundário de dados | Assimetrias e Poder
Data Privacy Brasil publica nota sobre a Portaria 648/2024 – Diretrizes sobre o uso de câmeras corporais pelos órgãos de segurança pública
por Horrara Moreira
No último dia 28 de maio foi publicada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) a Portaria nº 648/2024 que estabelece diretrizes sobre o uso de câmeras corporais pelos órgãos de segurança pública.
A norma de caráter orientativo é direcionada aos órgãos de segurança pública de nível federal, estadual e municipal e condiciona o repasse de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública e do Fundo Penitenciário Nacional para a implementação ou a ampliação de projetos de câmeras corporais, a observação das diretrizes.
Resultado do trabalho desenvolvido pelo Pró-Segurança – Programa Nacional de Normalização e Certificação de Produtos de Segurança Pública, da Secretaria Nacional de Segurança Pública, que também tornou pública no dia 28 de maio a NT-SENASP nº 014/2024 – Câmeras Corporais para emprego em segurança pública, que estabelece os requisitos técnicos mínimos de qualidade e desempenho aplicáveis ao fornecimento do item para a atividade profissional de segurança pública.
A Data Privacy Brasil tem acompanhado o processo de regulação aplicáveis às câmeras corporais, realizando contribuições ao texto supracitado através do projeto “Câmeras corporais na segurança pública: parâmetros jurídicos para o uso secundário de dados” e apresenta breve análise da Portaria nº 648/2024 norteada pelos direitos e garantias fundamentais e o respeito à privacidade e integridade pessoal dos profissionais de segurança pública e da população em geral (art. 3º, I e V), elementos que se relacionam à proteção de dados de pessoais.
A Portaria foi organizada em sete capítulos: disposições preliminares, obrigações, condições de utilização, procedimentos, integridade, armazenamento, acesso aos registros audiovisuais e disposições finais. Inicialmente indica os órgãos públicos a quem se aplicam, os valores, diretrizes e definições técnicas.
A respeito desse último, no art. 5º a Portaria define conceitos essenciais como autenticidade, disponibilidade e integridade, que são fundamentais para a cadeia de custódia da prova e para os princípios orientadores do tratamento de dados pessoais. Essas definições garantem que os registros audiovisuais mantidos pelas câmeras corporais sejam confiáveis e adequadamente protegidos.
Quanto às obrigações, a Portaria indica responsabilidades correlatas ao MJSP: a implementação, monitoramento e avaliação dos projetos de câmeras corporais, a oferta de consultoria técnica, a elaboração de guias de referência, o desenvolvimento de normas de segurança, a produção de instruções operacionais e a promoção de ações de conscientização e integração com a sociedade civil. Além disso, o Ministério é responsável por fomentar pesquisas e estimular a participação social na formulação e monitoramento dos projetos (art. 6°).
Quanto aos órgãos de segurança pública, conforme o art. 7º, têm a obrigação de manter uma estrutura administrativa para a gestão dos registros audiovisuais, implementar e avaliar projetos de câmeras corporais, adequar suas normas institucionais ao uso dessas câmeras e atualizar as matrizes curriculares de formação. Devem também desenvolver pesquisas sobre os resultados do emprego das câmeras e assegurar a integridade e a disponibilidade dos registros.
O art. 8° indica as ocasiões em que as imagens devem ser capturadas, como o atendimento de ocorrências, atuações ostensivas, escolta de custodiados, patrulhamento preventivo, dentre outras. O § 1º estabelece a obrigatoriedade de regulamentação complementar pelos órgãos de segurança, em consonância com o disposto na portaria.
Na sequência, o art. 9º fala sobre a necessidade de implementação de procedimentos que garantam o funcionamento e a correta utilização das câmeras corporais, incluindo a identificação das câmeras e dos registros por numeração única, e a capacidade de localização em tempo real, dados capazes de identificar pessoas e portanto protegidos pela Lei Geral de Proteção de Dados, consonante como o art. 10, que também garante a privacidade e a intimidade dos profissionais de segurança durante as pausas e intervalos de trabalho.
O Capítulo V da Portaria aborda a integridade dos registros audiovisuais, estabelecendo os requisitos para a preservação e descarte, aspectos correspondentes ao ciclo de vida do tratamento de dados. A temporalidade indicada pela norma para armazenamento por no mínimo noventa dias, podendo esse prazo ser estendido para um ano em determinados casos, como inquéritos policiais ou ocorrências graves. A rastreabilidade do descarte de registros é obrigatória, assegurando a manutenção de logs e metadados.
O acesso aos registros audiovisuais é regulado pelo Capítulo VII, que determina a conformidade com a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011), permitindo que magistrados, membros do Ministério Público, Defensoria Pública e autoridades policiais ou administrativas requisitem informações, bem como advogados de vítimas, acusados ou investigados, por meio de requerimento, sendo que às instituições do sistema de justiça criminal devem possuir acesso aos registros audiovisuais em tempo real.
O prazo para atendimento das solicitações de acesso às informações, caso não exista norma específica elaborada pelo órgão de segurança, é de até vinte dias, prorrogáveis, de forma justificada, por mais dez dias.
A regulamentação a ser desenvolvida por órgãos de segurança, deve prever o acesso seguro através de sistemas dedicados e garantir que os registros não comprometam direitos de imagem, exames periciais, sigilo de inquéritos, proteção de menores e a ética em pesquisa.
A Portaria se dedica a estabelecer diretrizes claras com vistas à proteção dos direitos e garantias dos profissionais de segurança pública e dos cidadãos, a padronização de procedimentos de uso e gestão dos registros audiovisuais, qualificação de produção de provas materiais, promoção de estudos científicos e técnicos para políticas públicas de segurança e o estabelecimento de mecanismos de supervisão dos projetos, encorajando a transparência e participação social.
O texto foi citado no julgamento da Suspensão de Liminar (SL) 1696, impetrada pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo no Supremo Tribunal Federal (STF), em que o Ministro Roberto Barroso determinou que o governo de São Paulo mantenha o compromisso firmado com a Corte de implementar o uso de câmeras em operações policiais e cumpra as regras estabelecidas na Portaria 648/2024 do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
A Data Privacy Brasil reafirma seu compromisso com a promoção de uma cultura de proteção de dados e anuncia em breve o lançamento do relatório “Câmeras corporais na segurança pública: parâmetros jurídicos para o uso secundário de dados” que tem como objetivo desenvolver parâmetros para o uso secundário de dados pessoais, coletados por câmeras corporais, sob orientação do devido processo legal e direitos fundamentais, a partir da análise de documentos técnicos produzidos pelas polícias militares de Minas Gerais, Pará, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Rondônia, Santa Catarina e São Paulo.
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