Notícia | Data Privacy Brasil no T20: Transformação Digital Inclusiva | Governança e Regulação

Porque o G20 precisa do Data20

 Porque o G20 precisa do Data20

Artigo escrito por Astha Kapoor (Co-fundadora do Aapti Institute, da India), Bruno Bioni (diretor-executivo da Data Privacy Brasil) e Stephanie Diepeveen (pesquisadora associada na Universidade de Cambridge). Publicado originalmente no site do G20 Brasil, no dia 13.06.24.

Os dados são fundamentais para um mundo cada vez mais digital: da IA à infraestrutura pública digital, é preciso considerar questões sobre acesso, conteúdo e representação de dados, condições de uso e governança. Eles continuam sendo essenciais para criação de valor por meio da inovação digital, e as negociações sobre a governança de dados e o desenvolvimento de valor estão no centro das discussões multilaterais em andamento sobre a cooperação global em um mundo cada vez mais digital.

Por meio de discussões e progresso sobre o conteúdo e a forma do Pacto Global Digital (Global Digital Compact), e com vistas à Cúpula do Futuro da ONU, cooperação global e consenso em governança de dados permanece como ponto chave no debate e, cada vez mais, com um espaço multissetorial para tanto. 

Estas discussões revelam a importância da atenção aos dados em fóruns multilaterais, em vista dos seus impactos omnipresentes no desenvolvimento a nível mundial e em todos os setores. Elas revelam também desafios importantes para a governança global de dados, em vista das características econômicas e informacionais distintivas dos dados e os valores, perspectivas e prioridades concorrentes.

O G20 tem uma importante contribuição a dar na construção de uma abordagem compartilhada e na compreensão da governança global de dados, aproveitando os países e partes interessadas que compõem o grupo. No entanto, o G20 ainda pode aproveitar a oportunidade de promover discussões produtivas e compartilhadas com o objetivo de criar convergência sobre a governança global de dados.

Os dados são uma preocupação compartilhada por todos os grupos de trabalho formais e grupos de engajamento oficiais do G20. No entanto, essas discussões geralmente ocorrem de forma isolada: o Grupo de Trabalho de Economia Digital tem explorado a infraestrutura pública digital; o W20 (Women20), a exclusão digital de gênero; o B20 (Business20) explora políticas para apoiar a inovação e a inclusão nas transformações digitais a partir da perspectiva das empresas; o T20 (Think20) analisa a produção de conhecimento em torno da ligação entre justiça de dados e transformações digitais inclusivas; o C20 (Civil20) traz as perspectivas da sociedade civil sobre a digitalização em relação aos direitos e à igualdade; o L20 (Labor20) destaca o trabalho decente com dados e uma cadeia de suprimentos de trabalho sustentável e programas de requalificação por meio do aprendizado contínuo; enquanto um dos eixos temáticos do Y20 (Youth20) é o futuro do trabalho.

Foto: Unsplash

Necessidade de uma abordagem conjunta e integrada

Assim, embora os dados e suas implicações para a inclusão, a inovação e o desenvolvimento estejam presentes em todas as discussões do G20, o grupo carece de uma abordagem conjunta e integrada. A participação de diversos grupos é um ponto forte do G20, mas também deu lugar a uma abordagem fragmentada e pouco cooperativa para as discussões das partes interessadas. Cada fórum aborda os dados a partir de um conjunto diferente de perspectivas setoriais e preocupações políticas. E, embora os grupos tenham tido algum sucesso em trazer questões relacionadas a dados para a Cúpula de Líderes do G20, falta ao G20 uma estrutura coordenada ou holística para compartilhar e coordenar preocupações compartilhadas e complementares sobre dados.

Uma abordagem compartimentalizada impediu que a sociedade civil e os atores governamentais, especialmente no Sul Global, pudessem considerar plenamente as implicações variadas e complexas dos dados para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs). Isso também significa que as recomendações e ações sobre dados apresentadas pelo G20 não são coordenadas e não operam a partir de uma visão integral das questões de dados, desde DPI até IA, para garantir que a nova economia de dados seja justa e equitativa. Sob a presidência do Brasil, o G20 deve estabelecer uma posição convergente sobre a governança de dados e um conjunto de instrumentos políticos propostos para promover a solidariedade transnacional de dados, incluindo métodos para avaliar e alavancar o valor público dos dados como um bem comum. 

De acordo com as prioridades do Brasil, deve ser explorada a relação entre justiça de dados e transformação digital inclusiva: i) enfatizando a natureza focada de cidadania do conceito, considerando a atual divisão digital que compromete as epistemologias do Sul Global para um planeta igualitário e sustentável; ii) evitando discriminações, trabalho precário e um impacto ambiental desequilibrado que estão ampliando as assimetrias históricas de poder e tornando ainda mais periférica a maioria global do mundo (Global Majority of the World); c) governança de dados é o elemento fundacional para se discutir IA, já que tais tecnologias e o poder computacional em questão não se dá no vácuo e sim alimentado por esses bits de informação.

O G20 tem uma oportunidade única de trabalhar no sentido de uma compreensão e uma base de conhecimento global compartilhada em torno dos dados, enquanto fórum multilateral que representa cerca de 85% do PIB mundial, e em vista também de sua ênfase no consenso e no diálogo aberto, em oposição a resultados vinculativos. 

Uma abordagem mais coesa em relação aos dados por parte do G20 poderia facilitar o acesso de países, empresas e grupos da sociedade civil a materiais e conversas mais abrangentes e intersetoriais sobre soluções de desenvolvimento digital, especialmente dados, e impulsionar ações coletivas. O foco nos dados oferece uma oportunidade fundamental para conectar as diferentes discussões setoriais e políticas sobre a transformação digital em todo o G20 e garantir um impacto mais  holístico na tomada de decisões multilaterais e nacionais. A marginalização e o isolamento das considerações sobre os dados nas discussões do G20 equivalem a uma oportunidade perdida para uma visão mais coordenada e holística das questões e opções de políticas relacionadas à governança de dados, que são pilar constitutivo da nova onda tecnológica, em especial das IAs.

Agora: um Data20 intersetorial no G20 

Juntamente com outros atores da sociedade civil e grupos de reflexão envolvidos no G20, identificamos uma necessidade e uma oportunidade críticas para que o G20 lidere uma abordagem mais coesa e global para discussões intersetoriais e intergovernamentais sobre dados.

Propomos a criação e a convocação de um Data20, ou D20

[1] [1] Alternativamente, o D20 poderia ser ramificado nas três avenidas do G20: i) na trilha Sherpas reunindo todos os grupos temáticos, de saúde ao digital; b) na trilha de finanças para se discutir as possibilidades de recursos para a viabilização de metodologias e ações integrativas entre os 20 (vinte) países; c) no G20 Social reunindo as visões dos diversos grupos interessados da sociedade civil: indústria, think-thanks, sociedade civil, ciências e etc. Periodicamente, poderia haver um encontro de cúpula destas três avenidas para fins de convergência em dados.

, que reúna pessoas e conhecimentos dos grupos formais de engajamento e dos grupos de trabalho do G20 sobre a questão específica dos dados, para ajudar a superar algumas divisões internas do G20 e permitir que ele se torne uma voz e um líder importantes na construção de uma base de conhecimento compartilhada e na compreensão das funções, das implicações e do valor dos dados. Em vez de ficar ao lado de outros grupos de engajamento, o D20 teria o objetivo de unir os grupos que existem em torno de sua preocupação comum com os dados, como a “força vital” de um mundo digital. 

O D20 se concentraria no compartilhamento de conhecimento para informar outros grupos, analisaria as implicações da política e da ação de dados em todos os setores e conduziria à interseccionalidade de preocupações como o uso de dados de saúde ou de emprego com as principais partes interessadas no processo do G20. 

Ele também serviria para extrair insights relacionados a dados de outros processos complementares do G20, como W20, L20, T20, C20, B20 e assim por diante. Ainda, poderia haver um painel de especialistas sobre governança de dados com um mandato de, ao menos, até 03 (três) anos para justamente zelar pela continuidade das agendas sob a presidência de cada ano. Por fim, serviria como âncora para a ação colaborativa entre diferentes partes interessadas que trabalham com questões de dados, como especialistas em direitos digitais, desenvolvedores de IA, fornecedores de dados, empresas de computação em nuvem, etc.

A agenda do D20 não é valiosa apenas para o posicionamento multilateral do G20, mas também para outros processos em andamento, como o Pacto Global Digital(Global Digital Compact, GDC), cujas negociações devem começar em breve. Os debates em torno do GDC reconheceram que a governança de dados evoluiu de forma fragmentada em todo o mundo e que há uma necessidade urgente de fortalecê-la no âmbito internacional. O D20 poderia desempenhar um papel fundamental, facilitando as conexões entre as discussões do G20 e os processos relacionados iniciados pelo GDC assim que ele for finalizado e aprovado. 

O D20 também se refere a esforços como a cúpula de IA do Reino Unido, que conecta o crescimento e o desenvolvimento da IA aos dados, juntamente com o talento e a capacidade de computação. Essa centralidade dos dados no discurso da IA se reflete nas conversas em andamento, tanto no âmbito político quanto no multilateral, como a cúpula de IA de Seul, em maio de 2024.

A presidência brasileira do G20 apresenta um momento oportuno para iniciar um processo em direção a um D20, fornecendo um complemento oportuno para esses esforços globais mais amplos. Isso permitiria que o G20 se tornasse um espaço e um recurso para uma discussão aberta sobre dados entre países e setores, o que possibilitaria que as partes interessadas desenvolvessem um entendimento e um conhecimento compartilhados dos diversos contextos e impactos da criação, do uso e da geração de valor dos dados. Para esse fim, propomos que o G20 brasileiro convoque uma consulta inicial com várias partes interessadas sobre um D20, envolvendo seus países membros e grupos formais de engajamento como um primeiro passo para apoiar uma abordagem coesa e inclusiva para o compartilhamento multilateral de conhecimento e discussão sobre governança de dados. 

A declaração do G20 deve, pelo menos, criar esse ponto de foco e destacar as questões transversais, como privacidade e proteção de dados, uso e compartilhamento de dados, fluxos de dados transfronteiriços, segurança cibernética, infraestrutura pública digital e IA para acelerar os ODSs e seus efeitos paradoxais para o meio ambiente. Ao lado do D20, deveria haver um comitê de experts sobre governança de dados com mandato que interligue, ao menos, 03 (três) presidências para impulsionar a continuidade e coesão de tal agenda. Portanto, na próxima presidência da África do Sul, o D20 possivelmente servirá como um nó para a colaboração entre o G20 e seus grupos de engajamento formais existentes, compartilhando percepções e respostas às questões de governança de dados que estão sendo enfrentadas globalmente e apoiando ações multilaterais  focadas.

 

Autores:

Astha Kapoor – Co-fundadora, Aapti Institute (India) e Co-chair da sub-trilha em Transformação Digital e Plataformização dos Serviços Públicos na Força tarefa do T20 de Transformação Digital Inclusiva.

Bruno Bioni – Fundador e Codiretor da Data Privacy Brasil e líder co-chair da Força Tarefa de Transformação Digital Inclusiva.

Stephanie Diepeveen – Senior Research Fellow, ODI e Pesquisadora Associada na Universidade de Cambridge.