O tema da regulação econômica dos mercados digitais tem se tornado cada vez mais crucial para democracias contemporâneas, como a brasileira. Tal tema envolve, em linhas gerais, o conjunto de políticas, normas e intervenções governamentais direcionadas ao monitoramento, controle e organização das atividades econômicas realizadas por empresas que operam no ambiente digital, especialmente aquelas que possuem grande poder de mercado ou que atuam como plataformas digitais. 

De forma ampla, podemos dizer que as plataformas digitais são organizações intermediárias que conectam dois ou mais grupos de usuários e se beneficiam de efeitos de rede diretos e indiretos. Efeitos de rede diretos ocorrem quando o valor de um serviço aumenta à medida que mais pessoas o utilizam (por exemplo, em uma rede social). Efeitos de rede indiretos ocorrem quando o aumento do número de usuários de um grupo aumenta o valor para outro grupo (por exemplo, mais vendedores atraem mais compradores em um marketplace). Apesar de inexistir definição unívoca e totalizante, mercados digitais possuem características específicas, como efeitos de rede, economias de escala, economias de escopo por conta dos dados, baixos custos marginais e escopo global.

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A intermediação é um traço essencial das plataformas, onde o valor é criado ao facilitar as interações entre diferentes grupos, como consumidores e produtores, compradores e vendedores, ou usuários e anunciantes. Um elemento definidor das plataformas digitais é o papel dos algoritmos na mediação e personalização das interações. As plataformas digitais utilizam algoritmos sofisticados para filtrar, organizar e recomendar conteúdo, produtos ou serviços para os usuários. Esses algoritmos influenciam significativamente como os usuários experimentam a plataforma, o que, por sua vez, pode afetar a concorrência, o comportamento dos usuários e o sucesso econômico da plataforma.

Alguns estudos foram pioneiros em apresentar essas características de forma sistematizadas. Os exemplos principais são o Stigler Committee on Digital Platforms (2019), elaborado pelo grupo de especialistas Stigler Center for the Study of the Economy and the State da Universidade de Chicago, o relatório Unlocking Digital Competition: Report of the Digital Competition Expert Panel (2019), encomendado pelo governo do Reino Unido e liderado por Jason Furman (propondo a criação de uma unidade digital para monitorar o comportamento das plataformas dominantes e promover a concorrência), e o relatório “Competition Policy for the Digital Era” (2019), elaborado por Jacques Cremer, Yves-Alexandre de Montjoye e Heike Schwetizer, da Diretoria Geral de Concorrência da Comissão Europeia. Este relatório aponta para a necessidade de ajustes das “lentes analíticas, metodologias e teorias do dano para melhor acomodar a nova realidade de mercado”. Ao invés das soluções intervencionistas de desintegração de grupos econômicos (break-up), o relatório propõe normas de interoperabilidade de dados como remédio atraente e eficiente. Também propõe um conjunto de novas competências dos reguladores, como obrigações de conduta que buscam gerar um ambiente mais competitivo, como normas de abertura de dados e normas de compartilhamento de dados (data pooling).

Tais materiais são leituras básicas para compreender os diagnósticos iniciais sobre mercados digitais e as forças motrizes para normas como o Digital Markets Act.

O sentido da regulação dos mercados digitais: aspectos normativos

A agenda de regulação econômica das plataformas digitais visa promover a concorrência, proteger os direitos dos consumidores, prevenir práticas abusivas, e assegurar que o ambiente digital permaneça justo e acessível para todos os atores do mercado, em processo de fomento contínuo do processo competitivo e da inovação. 

Do ponto de vista da regulação econômica, essa agenda inclui mecanismos para corrigir falhas de mercado típicas dos ambientes digitais, como externalidades de rede, poder de mercado excessivo, e a dificuldade de entrada para novos competidores. Esses mecanismos podem envolver a imposição de obrigações de transparência, neutralidade, interoperabilidade e não discriminação às plataformas dominantes, bem como a aplicação de regras para o uso de dados pessoais e privacidade, que são elementos essenciais na economia digital.

Além disso, a regulação dos mercados digitais tem funcionado como uma espécie de lição sobre os fracassos da aplicação de normas concorrenciais em casos práticos, nos quais as ferramentas clássicas não funcionaram. Por exemplo, distorções que se pautam em critérios de preço mostram-se pouco úteis diante das características de preços implícitos no manejo e exploração econômica de dados pessoais por plataformas digitais. Do mesmo modo, critérios de averiguação de situações detrimentais à competição (por critérios ex post e danos ao bem-estar do consumidor) se mostram pouco úteis, diante de um cenário complexo de oligopolização dos mercados digitais e novas formas de abuso de posição.

Por exemplo, o Digital Markets Act (DMA) estabelece regras para grandes plataformas digitais designadas como “gatekeepers”. Entre as muitas obrigações, o DMA exige que essas plataformas sejam transparentes em relação ao funcionamento de seus algoritmos, especialmente em como eles determinam a classificação e a recomendação de produtos e serviços. A legislação também prevê a possibilidade de os reguladores exigirem que os gatekeepers permitam auditorias externas de seus algoritmos para garantir que não estejam distorcendo a concorrência.

De acordo com o DMA, os gatekeepers são proibidos de combinar dados pessoais coletados em diferentes serviços ou plataformas que operam, a menos que tenham obtido o consentimento livre e informado dos usuários. Isso significa que uma empresa como o Google, que opera diversos serviços como busca, YouTube e Gmail, não pode combinar dados dos usuários coletados nesses serviços sem o consentimento dos usuários nos termos da lei. Do mesmo modo, os gatekeepers não podem impor condições desleais aos usuários ou empresas que os obrigam a consentir com a coleta de dados pessoais como pré-requisito para acessar um serviço, como marketing direcionado em situações que o marketing não é considerado uma finalidade essencial. Além disso, se uma plataforma coleta dados de usuários em interações que envolvem empresas que utilizam a plataforma (por exemplo, vendedores em um marketplace), o gatekeeper deve garantir que essas empresas tenham acesso a esses dados em igualdade de condições. Isso evita que o gatekeeper se beneficie exclusivamente de dados coletados através de suas plataformas para obter vantagens competitivas injustas.

De forma simplificada, podemos dizer que muitas normas de regulação econômica dos mercados digitais têm como objetivo regular o poder das grandes plataformas digitais em seus mercados. Do ponto de vista da teoria da regulação, essas normas buscam corrigir desequilíbrios de poder e assegurar a adequada competição, protegendo tanto os consumidores quanto as empresas que dependem dessas plataformas para operar. No caso das normas europeias, podemos identificar valores normativos como competição justa (a regulação é crucial para impedir que um pequeno número de empresas controle o mercado e inove a competição), proteção dos direitos dos consumidores (proteger os consumidores de práticas abusivas, garantindo que eles tenham controle sobre seus dados pessoais e que suas escolhas sejam respeitadas) e autonomia (consumidores e empresas tomem decisões informadas e mantenham sua autonomia em um ambiente digital cada vez mais complexo).

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Há também um conjunto de valores normativos econômicos, como a facilitação da concorrência (permitir que novas tecnologias, modelos de negócios ou empresas menores possam desafiar as grandes plataformas, incentivando a inovação e evitando a estagnação do mercado) e redução de barreiras de entrada (garantir que os mercados digitais sejam mais acessíveis a novos participantes, reduzindo ou eliminando as barreiras que gatekeepers podem criar para proteger sua posição dominante). 

Nesse sentido, a regulação econômica traz um valor de contestabilidade, no sentido de uma capacidade de um mercado ser desafiado ou contestado por novos concorrentes ou por aqueles já existentes. A regulação é vista como necessária para garantir que esses mercados funcionem de forma justa, competitiva e benéfica para todos os envolvidos. O termo fairness em mercados digitais se refere a garantir que todas as partes envolvidas, sejam consumidores, empresas concorrentes ou usuários profissionais, sejam tratadas de forma equitativa e não discriminatória. Isso inclui acesso justo às plataformas digitais, condições iguais para competir e transparência nas práticas comerciais. Em essência, fairness significa promover um ambiente de negócios justo e equilibrado, onde todos têm a oportunidade de prosperar sem barreiras injustas impostas por empresas dominantes.

Para uma adequada compreensão do sentido do Digital Markets Act, recomendamos algumas leituras fundamentais, como a página de explicação do Parlamento Europeu sobre a Lei dos Mercados Digitais, o importante relatório “The EU Digital Markets Act: a report from a panel of economic experts” (2021), elaborado por Luís Cabral, Justus Haucap, Geoffrey Parker, Georgios Petropoulos,Tommaso Valletti e Marshall Van Alstyne, e os vários documentos produzidos pelo BEUC (organização europeia de defesa dos consumidores) sobre a importância das normas regulatórias sobre mercados digitais.

Nos EUA, um excelente relatório sobre os valores normativos de interesse público na regulação das plataformas digitais é o produzido por Harold Feld, da Public Knowledge, intitulado “The Case for the Digital Platform Act: market structure and regulation of digital platforms” (2019). Neste relatório, Feld explora o conceito de plataformas digitais, novas medidas para mensurar o domínio das plataformas (custo de exclusão), a criação de uma agência federal especializada e novas ferramentas de intervenção, como portabibilidade de dados, interconexão e APIs, licenciamento não discriminatório para propriedade intelectual, regras de proteção da informação para competidores, limites do tamanho da integração vertical, regras de não discriminação, privacy by design e normas de “unbundling”.

O que ler para compreender o debate de regulação de mercados digitais no Brasil?

O assunto da regulação dos mercados digitais tem ganhado força no campo acadêmico no  Brasil. De acordo com a biblioteca de teses da CAPES, os primeiros trabalhos sobre “mercados digitais” (que fazem menção explícita ao conceito de mercados digitais) foram defendidos na economia em 2019 e 2020. Leandro Souza defendeu uma dissertação de mestrado na UnB sobre “Concentração de mercados na economia digital: um estudo teórico e estatístico sobre o comportamento das grandes empresas digitais” em 2019. Caio Bertoni Rocha, na UFRJ, defendeu o trabalho “Fintech e concorrência nos mercados de serviços financeiros: desafios para a política da defesa da concorrência” em 2019. Depois surgiram trabalhos como de Thales de Melo Melo, na área de economia do IDP, sobre “Aquisição de concorrentes nascentes ou killer acquisitions em mercados digitais”, e Eduardo Calazans, na Universidade Estadual de Ponta Grossa, sobre “Estrutura de mercado: uma análise do impacto da presença ascendente dos bancos 100% digitais na indústria bancária brasileira”.

O assunto, então, chegou ao campo jurídico, com os trabalhos de José Rubens Iasbech chamado “Conduta de autofavorecimento em mercados digitais: análise comparativa do julgamento do caso Google Shopping pelo CADE e pela Comissão Europeia“, em 2022, e a tese de doutorado de Beatriz Kira, na USP, chamada “The structural regulation of digital markets, defendida em 2021.

Especificamente com relação aos julgamentos sobre abuso de posição dominante em mercados digitais, a tese de Victor de Oliveira Fernandes (“Plataformas digitais entre abuso de posição dominante e inovação: perspectivas a partir das teorias de concorrência dinâmica do antitruste“, 2021) investigou se o Cade aplicou adequadamente teorias de concorrência dinâmica, considerando o debate de como a moldura antitruste pode priorizar a proteção da inovação na repressão ao abuso de proteção dominante. Avaliando  os casos Google Scraping, Google Multi-Homing e Google Shopping, Fernandes defende que o Cade não tem realizado uma análise antitruste consistente com pressupostos da teoria de concorrência dinâmica. O resultado é uma “imunização absoluta” das condutas investigadas. Para reverter tal cenário, Fernandes tem defendido uma releitura das teorias do dano de concorrência dinâmica, com enfoque na redução dos incentivos à inovação, na restrição das oportunidades de disrupção  na recusa de acesso a recursos-chave para inovação. Em síntese, a tese de Fernandes defende que o controle de condutas unilaterais de exclusão no direito concorrencial pode se beneficiar de uma “moldura analítica” que contemple o uso de metodologias alternativas de “mensuração do poder de mercado sobre a inovação”, a verificação da conduta a partir “de teorias do dano de concorrência dinâmica” e a escolha racionalmente justificada de um “regime de presunções de ilicitude e de padrões probatórios” que possibilitem o tratamento de efeitos de condutas unilaterais sobre a inovação. 

Em 2023 há um salto no número de trabalhos defendidos sobre o tema, com 11 trabalhos acadêmicos registrados no banco da CAPES. Entre eles, os trabalhos “Aquisições de empresas em mercados digitais no Brasil face ao sistema de proteção concorrencial”, de Guilherme Aleixo da FGV-RJ, o trabalho “Integrando proteção de dados e defesa da concorrência: rediscussão do papel do direito antitruste e seu ferramental clássico na economia digital movida a dados“, de Marcus Vinicius Sá do IDP, Análise concorrencial dos atos de concentração em mercados digitais: a simbiose entre direito concorrencial e a proteção de dados pessoais“, de Henrique Vargas da UFSC, entre outros.

No Brasil, entidades civis têm explorado o tema, como a Data Privacy Brasil e o Instituto de Defesa de Consumidores (Idec). Em 2021, a Data Privacy Brasil lançou o relatório “Análise multijurisdicional de aquisições centradas em dados: diagnóstico atual e propostas de política pública para o Brasil”, de autoria de Lucas Griebeler da Mota, pesquisador da Universidade de Chicago. Em 2022, Data Privacy Brasil e Idec lançaram o livro “Dados, Mercados Digitais e Concorrência”, disponibilizado em formato digital e disponível na Biblioteca do Senado Federal. No livro, há capítulos específicos sobre as características das plataformas digitais e novos modos de interação entre CADE e ANPD.

Capa do relatório “Análise multijurisdicional de aquisições centradas em dados: diagnóstico atual e propostas de política pública para o Brasil” e do livro “Dados, Mercados Digitais e Concorrência”.

 

Há também relatórios produzidos pelo Cade que são de extrema importância para análise do debate concorrencial. Em agosto de 2020, Patrícia Morita Sakowski  Filippo Maria Lancieri publicaram o estudo “Concorrência em mercados digitais: uma revisão dos relatórios especializados” pelo Cade, que apresenta uma excelente revisão de literatura técnica. O relatório busca sintetizar algumas soluções apresentadas nesses relatórios, como abandonar o tradicional consumer welfare standard, maior uso de medidas cautelares para promover competição, mudanças com relação ao ônus da prova (“standards de prova”), obrigações de não discriminação e tratamento justo, portabilidade, novos critérios de revisão de fusões e remédios específicos com relação aos mercados baseados em propaganda online.

No debate específico sobre remédios concorrenciais em mercados digitais, um texto influente é “Designing Remedies for Digital Markets” (2021), de Filippo Lancieri e Caio Mário Pereira Neto. Os autores propõem um novo quadro de referência para a criação de remédios (ou soluções) que integre intervenções pró-competição no âmbito do direito antitruste e da regulação em uma única política coesa. A proposta é dividida em dois níveis principais. Primeiro, no nível substantivo, os autores desenvolvem uma abordagem que eles chamam de “custo de erro composto”. Esse conceito ajuda as autoridades a escolher entre diferentes tipos de remédios para um determinado comportamento nocivo no mercado. A ideia central é que, se os formuladores de políticas decidirem assumir maiores riscos de “superenforcement” (ou seja, aplicação excessiva de regras ou intervenções), eles devem compensar assumindo menores riscos de “superenforcement” na fase de elaboração dos remédios, e vice-versa. Isso significa que, se a decisão de intervir é mais ousada, o design dos remédios deve ser mais cuidadoso e vice-versa, para evitar prejuízos desnecessários à concorrência ou à inovação.

No nível institucional, o artigo sugere que as autoridades considerem separar três atividades distintas, mas conectadas, ao criar remédios: identificar comportamento nocivo (quais práticas são efetivamente prejudiciais), desenhar intervenções (criar as medidas ou remédios específicos para corrigir tais comportamentos) e monitorar a adaptação dos remédios (supervisionar a implementação dos remédios, fazendo ajustes). Para aplicação de tais remédios, segundo os autores, as autoridades devem levar em conta o mandato legal, a necessidade de expertise técnica, os riscos de captura e os custos administrativos. Partindo desse quadro, Lancieri e Pereira Neto analisam condutas problemáticas em mercados digitais, como auto preferência (tratamento injusto e autocontrole), contratos de exclusividade, vinculação de produtos (tying/bundling), cláusulas de paridade de preços, recusa em tornar dados interoperáveis, termos excludentes ou práticas de manipulação em interfaces de usuários, como nudges ou sludges.

Outro artigo fundamental no Brasil, neste debate específico, é “Novas teorias do dano para plataformas digitais” (2021) , de Diogo Coutinho e Beatriz Kira. Os autores argumentam que o CADE utiliza óculos com lentes vencidas para olhar para mercados digitais e isso provoca uma análise distorcida do que ocorre nesses mercados. Tais teorias do dano relacionam-se a aumento de preços não monetários, redução da qualidade (pela coleta excessiva de dados e violação à privacidade), redução da escolha e efeitos deletérios na inovação e preferência por produtos e serviços próprios (considerando que “práticas de self-preferencing por plataformas digitais podem se dar de forma sutil, por vezes por meio do uso de algoritmos ou outros métodos que não são facilmente identificáveis pelos consumidores, ou mesmo pela autoridade antitruste”).

Além disso, há publicações que tocam em aspectos centrais do debate de regulação dos mercados digitais. Allan Barbosa, no estudo “A regulação de plataformas digitais no Brasil: é possível uma abordagem preventiva?” (2023, Revista do IBRAC), propõe a instituição de um comitê entre ANPD e Cade, para a criação de diretrizes para os mercados digitais, como também propostas de ajustes com os agentes econômicos, através de Termo de Compromisso de Cessação (TCC), para um caso específico sob investigação, ou de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), relativo às melhores práticas definidas pelo próprio Comitê.

Tulio Chiarini, Diandra Rocha e Luiz Carlos Prazo, em nota técnica para o IPEA elaborada em maio de 2024 (“Reflexões sobre o PL 2768/2022: desafios da regulação econômica em mercados mediados por plataformas digitais”), discutem as limitações da definição de plataformas digitais em um projeto de lei específico no Brasil (o PL 2768/2022), a ambiguidade na definição de plataformas digitais (confusão entre diferentes aspectos, como arquiteturas tecnológicas, serviços oferecidos e modelos de remuneração), a definição insuficiente de “controle essencial” (o critério utilizado para avaliar o poder de controle, baseado em receita operacional anual, desconsiderando fatores como o número de usuários), a generalização das obrigações das plataformas digitais e a inadequação da autoridade reguladora (a escolha exclusiva da Anatel como autoridade reguladora).

Há, ainda, textos bastante sintéticos sobre o tema, como “Digital Markets Act e o controle de estruturas no Brasil” (2022), de Bruno Renzetti, e “Desafios da regulação digital” (2023), de Beatriz Kira e Diogo Coutinho. Jéssica Costa e Vivian Ianelli, no pequeno ensaio “Plataformas digitais: consonâncias e dissidências sobre o órgão regulador” (2024) avaliaram as 50 contribuições da tomada de subsídios 1/2024 da Secretaria de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda e concluíram que “sequer há consenso sobre a aplicação de uma nova regulação para abarcar especificamente plataformas ou mercado digitais”, sendo que o tema “ainda precisa de maturidade por parte de todos os segmentos do mercado”. O texto aponta um dissenso entre aqueles que apontam a Anatel como órgão mais adequado para aplicação de regras de uma nova lei de mercados digitais, ao passo que outros defendem ser o CADE, em uma estrutura mais dinâmica e flexibilizada.

Com relação às contribuições de organizações da sociedade civil para a tomada de subsídios da SRE/MF, recomenda-se fortemente a leitura das contribuições do Instituto de Defesa dos Consumidores (Idec). O documento “Contribuição do Idec sobre a regulação econômica: aspectos econômicos, concorrenciais e consumeristas de plataformas digitais” (2024) apresenta uma justificativa robusta sobre regulação ex ante assimétrica, trazendo mais segurança jurídica ao mercado. Segundo o Idec, “para maior efetividade dos remédios propostos, é necessário vedar previamente condutas já reconhecidamente prejudiciais à concorrência e aos consumidores”.

Por fim, uma leitura fundamental é a contribuição do Cade, elaborada em abril de 2024, chamada “Contribuição do Cade à tomada de subsídios para regulação de plataformas digitais do Ministério da Fazenda”. No documento, fica claro que o Cade defende a necessidade de uma regulação ex ante para mercados digitais, complementando a Lei 12.529/2011. O Cade também aponta que a regulação concorrencial ex ante das plataformas deve endereçar disfunções nos ecossistemas digitais que, “como falhas funcionais e distributivas que afetam a geração e apropriação de valor”, não se confundem com falhas de mercado dos setores regulados. O Cade também entende que a intervenção regulatória deve visar à promoção da concorrência por meio da diminuição de barreiras de entrada e proteção ao processo competitivo, “promovendo a contestabilidade dos mercados”.

Reforçando o diagnóstico dos vários relatórios internacionais já destacados, o Cade aponta que plataformas digitais podem ressignificar condutas abusivas convencionais, como práticas de exclusividade, vinculação a produtos e venda casada, por exemplo. A Autoridade justifica esse ponto alertando que empresas podem incluir a pré-instalação de aplicativos de determinadas empresas em sistemas operacionais móveis, a imposição de serviços de redes sociais e anúncios de e-commerce, ou uso de dados de terceiros para calibração de ofertas de produtos próprios na plataforma. O Cade também aponta que “não houve até o momento nenhuma avaliação institucional dos potenciais limites e possibilidades de aplicação da Lei 12.529/2011 aos mercados digitais”, devendo existir uma Análise de Impacto Regulatório (AIR) abrangente e tecnicamente embasada.

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