São Paulo, 11 de fevereiro de 2025
Nota pública 002/2025

A Data Privacy Brasil vem a público elogiar a decisão da Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais, divulgada na manhã desta terça-feira (11/02/2025), sobre manutenção da suspensão de concessão de compensação financeira, no formato de criptomoeda, pela coleta de íris de titulares de dados pessoais no Brasil (Voto n. 1/2025/Dir-MW/CD no Processo n. 00261.006742/2024-53). 

O caso envolve a operação da empresa Tools for Humanity no Brasil e as tecnologias WorldCoin e World ID. O voto da diretora Miriam Wimmer leva a sério a discussão sobre assimetrias de poder e o significado do direito fundamental à proteção de dados pessoais no país. Como corretamente apontado pela diretora Wimmer, “o potencial de comprometimento da autonomia decisória é maior quanto maior for a pressão econômica sobre o titular” (§ 4.29).

Partindo de um conjunto de evidências jornalísticas sobre ausência de compreensão dos titulares de dados pessoais sobre os protocolos da World Coin, a ANPD corretamente se posiciona ao lado de autoridades de proteção de dados pessoais como a European Data Protection Board (EDPB), que qualificam o sentido do “consentimento livre” nos termos da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. O caso envolve uma discussão importante sobre vício de consentimento, uma prática proibida pela legislação brasileira (Lei 13.709/2018, Art. 8º, § 3º: “É vedado o tratamento de dados pessoais mediante vício de consentimento”).

Os elementos factuais importam neste caso: (i) a instalação dos pontos de coleta em localizações periféricas em São Paulo, (ii) a estratégia de disseminação no “boca a boca” sobre os ganhos financeiros por influenciadores de redes sociais, (iii) as declarações de pessoas que não sabiam a dinâmica do protocolo da Tools for Humanity e se estavam aderindo a um serviço de diferenciação de identidade de pessoas e robôs (como argumenta a empresa).

De forma acertada, a ANPD reconhece que “no presente caso, a existência de contrapartida financeira constitui uma intervenção do controlador, que, na prática, implica uma interferência indevida sobre a manifestação da vontade autônoma do titular, razão pela qual o consentimento obtido não pode ser qualificado como livre”  (§ 4.25).

Esse raciocínio é o mesmo da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) de Portugal, que decidiu não existir informações suficientes sobre o tratamento de dados e impossibilidade de exercício de direitos básicos, colocando “irreversivelmente em causa” os direitos das pessoas vulneráveis, em especial pessoas em “situação econômica difícil”.

A Autoridade decidiu de forma semelhante em um outro caso, envolvendo a concessão de descontos para compra de medicamentos em farmácias como incentivo para aderir a um programa de fidelidade. Na ocasião, a ANPD entendeu que limitações cognitivas do titular de dados, exacerbada no contexto brasileiro de desigualdade e alto índice de analfabetismo funcional, e uma relação de assimetria de poder entre o controlador e o titular gera um cenário de incompatibilidade e impossibilidade de exercício da autonomia e de um consentimento verdadeiramente livre, especialmente considerando os benefícios financeiros relacionados a medicamentos e produtos farmacêuticos.

Pode-se dizer, então, que há uma tomada de posição da Autoridade ao observar e analisar as atividades de tratamento de dados a partir de seu contexto fático e condições materiais às quais os titulares se encontram, de maneira que a autonomia decisória e de consentir do titular não pode ser compreendida no vácuo.

Os negócios intensivos em dados pessoais precisam respeitar os fundamentos da LGPD, como a autodeterminação informativa e o livre desenvolvimento da personalidade. O regime jurídico de proteção de dados pessoais precisa estar alinhado aos valores da Constituição Federal, como a construção de uma sociedade livre e a redução das desigualdades sociais (Art. 3º, I e III, CF). A decisão da ANPD reforça essa leitura sistêmica do direito fundamental à proteção de dados pessoais.

 

Assessoria de Imprensa da Data Privacy Brasil

[email protected] 

Veja também

Veja Também